No dia 12/9, uma cerimônia realizada na Quinta da Boa Vista celebrou o retorno ao Brasil do Manto sagrado Tupinambá, artefato de valor artístico, histórico e espiritual que havia passado mais de 300 anos em um museu europeu. Agora, sob a proteção do Museu Nacional, unidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Manto torna-se um símbolo de uma nova etapa na reconstrução do Museu e na história do Brasil.
A celebração teve a presença do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, do governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, e de uma comitiva de cerca de 170 representantes indígenas da região baiana de Olivença, além de autoridades culturais e educacionais. O reitor da UFRJ, Roberto Medronho, e a diretora substituta do Museu Nacional, Andrea da Costa, representaram a Universidade.
A celebração incluiu cantos e danças tradicionais dos povos indígenas, reforçando o caráter espiritual do artefato. Para o povo Tupinambá, o Manto carrega uma importância ancestral e cultural, e sua repatriação é considerada uma “restituição histórica”, vista como um passo significativo no reconhecimento de seus direitos sobre o patrimônio indígena. Além do Manto, o governo brasileiro está em negociação para repatriar outros artefatos de museus internacionais.
O presidente Luís Inácio Lula da Silva, que esteve na Universidade para participar da cerimônia, destacou a importância do retorno do Manto para a história do país. “É um privilégio extraordinário participar como presidente da República deste momento tão especial não só para os povos indígenas, mas para a história de todos nós, brasileiros e brasileiras”, afirmou.
“Ao longo de nossa história, diversos itens indígenas e de outras comunidades tradicionais atravessaram fronteiras e foram habitar museus europeus e de outros pontos do mundo. Além de sua extraordinária relevância cultural, são objetos que guardam crença, memória e tradições. O retorno do Manto sagrado Tupinambá, até então parte do Museu Nacional da Dinamarca, é um marco e o começo de uma nova história do ponto de vista dos povos indígenas. Trata-se do primeiro item de simbolismo espiritual a voltar ao país depois de tantos anos ausente”, completou o presidente Lula.
Valor Espiritual
O Manto Tupinambá, com cerca de 1,8 m de altura e feito de penas vermelhas de guará, é uma peça sagrada para o povo Tupinambá, que o considera não um objeto, mas uma entidade viva e ancestral. “Nós estamos no Rio de Janeiro desde janeiro, em vigília, para que a gente dissesse ao Manto: “Nós estamos aqui, estamos pertinho de você, ajude-nos mais ainda! Viva mais 300 anos! Viva mais um tempo, para que o Brasil seja um novo Brasil, um Brasil com uma história verdadeira, a história dos povos originários!”, discursou emocionada a cacica Jamopoty, líder do povo Tupinambá de Olivença.
Durante a ocupação holandesa no Nordeste, no século XVII, o Manto foi retirado do povo, que vive no Sul da Bahia, e levado para a Europa. Desde 1644 ele estava na Dinamarca, como parte do acervo do museu nacional daquele país. Em 2000, durante as comemorações dos 500 anos do Brasil, o Manto retornou temporariamente ao país, para a “Mostra do Redescobrimento”, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Na ocasião, a anciã Nivalda Amaral, do povo Tupinambá de Olivença, reconheceu a peça como parte de sua herança ancestral e desde então lideranças indígenas se mobilizam para sua repatriação.
O retorno do Manto é resultado de um acordo entre o Brasil e a Dinamarca, articulado pelos ministérios das Relações Exteriores, da Cultura e dos Povos Indígenas, com a participação de lideranças Tupinambá. O Museu Nacional, vinculado à UFRJ, desempenhou papel central nesse processo. Desde o incêndio de 2018, que destruiu boa parte do acervo do museu, a Universidade tem trabalhado na reconstrução do edifício e na restauração das coleções.
Roberto Medronho destacou o papel fundamental da Universidade em mais este momento-chave da história do Brasil. “Desde o pré-sal até a repatriação deste maravilhoso Manto, a UFRJ teve papel fundamental para o desenvolvimento do país. A ciência voltou, o Brasil voltou, e nós estamos na linha de frente dessa reconstrução”, disse.
A devolução do Manto simboliza também a renovação das iniciativas de preservação cultural e científica da instituição, integrando-se aos esforços contínuos de reerguer o primeiro museu do Brasil. “Um museu universitário do século XXI, como o Museu Nacional, precisa estar comprometido, junto com as instituições de Estado, na salvaguarda do patrimônio material e imaterial do país, assim como nos processos educacionais, culturais e políticos para a construção de um país soberano e mais justo”, afirmou Andrea da Costa.
O Manto Tupinambá agora ficará aos cuidados do Museu Nacional, que está sendo reformado e restaurado, com previsão de reabertura para 2027. Ele é mantido sob condições especiais de preservação, garantindo que futuras gerações possam apreciá-lo e entender seu valor histórico e cultural.